segunda-feira, fevereiro 03, 2014

Voltando a cotidiandiar...

Hoje, meu trabalho me leva a conhecer diferentes municípios do Nordeste do Brasil e, com certa frequência, cidades muito pequenas, indefinidas entre o rural e o urbano, com populações menores de 50 mil habitantes. Há algum tempo venho com vontade de voltar a escrever e durante minha última viagem percebi que poderia ser interessante relatar/dialogar sobre essa experiência.

Meu primeiro relato é da viagem feita a Santa Cruz dos Milagres, no Piauí. Uma cidade com uma população que não chega a quatro mil habitantes, instituída em 1992 e com grande tradição de romaria. As peripécias da viagem começaram logo no seu planejamento. Como momento de trabalho, minha tarefa foi acompanhar um encontro de formação de agentes sociais de esporte e lazer. Nesses casos, sempre procuro o formador ou a formadora para pegar carona no transporte da prefeitura que tem obrigação com eles (mas não comigo, já que no meu caso é o Ministério que arca com minhas despesas). Por experiência, fiz reserva dos voos com um dia de diferença antes e depois a formação. Minha colega, porém, teve uma leve “falha de alteridade” e disse que não poderia me esperar (porque o voo dela chegava antes do meu). Com isso, abstraí a chateação e comecei a encarar como uma experiência antropológica.

Na segunda-feira, dia da viagem, acordei sem muita disposição. Fechei a mala, me arrumei e fui para a portaria do meu prédio. Para minha surpresa era o porteiro da noite que estava lá (ele já deveria ter ido embora a cerca de uma hora e meia) e me explicou que o porteiro do dia havia se atrasado mas estava chegando. Jamais imaginei que essa diferença poderia ser significativa. Entretanto, o porteiro do dia tem mais experiência em pedir táxis do que os da noite, pelo menos no meu prédio. Com isso, me garanti que nas últimas vezes (umas três pelo menos), os táxis chegaram com no máximo cinco minutos. O motivo é por ter um ponto de táxi muito próximo, que os motoristas colocaram um telefone específico para ligarmos direto para aquele ponto. Outra questão, é que para aperfeiçoar esses pedidos de táxi, que refletindo agora devem ser constantes, o zelador e um dos porteiros do dia baixaram aplicativos em seus telefones para pedir táxi e com isso levam um tempo médio de dois minutos. Bem, mas era o porteiro da noite que estava lá. Ele não tinha aplicativo no celular e nem o telefone do ponto de táxi, e ao meu pedido respondeu ligando para um disque-táxi qualquer que informou que levaria quinze minutos. Olhei o relógio e pensei: “Eu tenho algum problema de memória”.

O fato é que este é meu segundo trabalho em que faço muitas viagens. Aperfeiçoei minha habilidade de fazer malas, organizar necessaries, decidir o que levar ou não para cada lugar, saber que alguns elementos são fundamentais -como casaco e sandália havaiana - independente de onde você vá. Entretanto, na antecedência para pegar o avião sempre tenho um lapso de memória que me faz esquecer todos os perrengues que já passei para pegar (e/ou perder) voos. Com isso, o atraso do táxi agravou o fato de eu não ter sacado dinheiro no banco e não ter feito o checking pela internet.

Depois dos quinze minutos, o táxi chegou. Se não me falhe a memória, Seu Manoel. Avisei que estava atrasada. Felizmente, hoje moro a 10 minutos do aeroporto (com trânsito). No caminho, tive a ideia de transferir o dinheiro para ele pelo tablet. Sugeri:
- Seu Manoel, queria saber se posso lhe pagar por transferência¿
Ele pergunta desconfiado:
- Como é isso¿
- Eu estou com o tablet. O senhor me dá o número da sua conta e eu transfiro aqui pelo tablet da minha pra sua.

Quando falei “número da conta” percebi já a reação negativa e ao terminar a frase veio o “Não, não”.
Avisei então que teria que me esperar para que eu sacasse o dinheiro. Após o meu “Certo¿”, seguiu um silêncio que preencheu o carro de ´Que jeito¿´.

Chegamos ao aeroporto. Ele ficou esperando. Fiz o checking num guichê sem despachar a bagagem. Desci, saquei o dinheiro no primeiro caixa eletrônico que vi, subi de novo e segui pela porta de saída mais próxima. Avistei um guarda questionando Seu Manoel. Percebi que deveria chegar rápido. Dei uma corrida e já cheguei gritando “Sou eu, sou eu”. Seu Manoel sorriu com alívio e o guarda seguiu em sua moto.
Voltei para despachar a bagagem. Não estava sozinha. A atendente foi taxativa: “Embarque imediatíssimo!”. Direto para dentro do avião, voo tranquilo, programas de empresas sustentáveis na TV, pausa em Fortaleza. No segundo trecho muito riso e diversão com o seriado “Meu passado me condena” (e também muitas lembranças).

Chegando ao Piauí, segui de táxi para a rodoviária (R$32,00). O taxista, Dunei, foi respondendo minhas perguntas de turista. Cortou caminho pela periferia e terminei exprimindo minha opinião sobre a falta de uma intenção política de abrir o Piauí para o mundo ou pelo menos para o restante do Brasil (que se reforçou ainda mais nesta minha vinda). Tudo já começa na chegada ao aeroporto. Um aeroporto de capital com uma estrutura muito precária. Você desce diretamente na pista, que só tem um portão de entrada e um de saída; duas esteiras de bagagem para dois, três voos numa sala reduzida. Ao desembarcar você se sente “cuspido” pra saída. Não existem guichês de turismo. Um mapa do Piauí¿ Nem pensar. A única empresa de táxi tem fila de espera. As lojas ficam imprensadas com os guichês de despacho. Soma-se a isso, a informação trazida pelos jornais: o Piauí tem outro aeroporto, em Parnaíba, no litoral e, pasmem, foi feito com recursos do Governo Federal, possui pista com dimensões para voos internacionais e não existem linhas comerciais. Isso poderia até ser visto como algo bom, se houvesse um trabalho de fortalecimento e valorização da cultura local (ainda assim questionável). Mas este realmente não é o caso. Chegamos aqui e poderemos sair sem nenhuma noção da riqueza deste lugar e deste povo. Claramente, a vontade política é de manter as pessoas longe daqui.

Ao chegar à rodoviária, comprei imediatamente minha passagem (R$34,00, o das 15h) e fiquei ciente de ter longas três horas até o horário do ônibus. Almocei por ali e fiquei no desembarque vendo o tempo passar, o Bonitão chegar e ir embora.

Comi um chocolate e embarquei.
O ônibus não tinha ar-condicionado. Ao entrar percebi que uma senhora ocupava meu lugar. A pessoa ao lado dela ao perceber meu olhar de “este lugar é meu”, falou aleatoriamente “ah, nosso número era ali na frente, mas já tinha gente”. Segui sem questionar e me sentei na cadeira atrás dela. Mais espaçosa e com uma imensa janela que abri sem dó. Fui com o vento no rosto durante boa parte das quatro horas de viagem. Na maior parte do tempo, conversei com a paisagem. Em outros momentos cochilei um pouco e comi pitombas.

Cheguei à cidade já era noite. Perguntei três vezes ao motorista: “a rodoviária é aqui¿”. E ele respondeu três vezes: “É aqui que o ônibus para”. Da última vez, completou: “Aqui é a Praça do Olho D´água, se for voltar amanhã espere aqui”. Lugar mal iluminado, com um muro de um lado e barracas fechadas de outro. Uma mulher aguardava comigo. Liguei para Rosa, a responsável pelo convênio que vim visitar. Em pouco tempo ela chegou, de carro, para me levar. Na pousada, Dona Helícia me levou para o quarto (R$ 40,00 com ar-condicionado). Arregalei os olhos e acho que Rosa percebeu. Ali era uma verdadeira inundação de ácaros. E eu sou alérgica. Desejei-me sorte e entrei. Rosa gentilmente me ligou perguntando se eu queria ficar na casa dela. Recusei e agradeci.

Na manhã seguinte (e ao longo dos três dias que estive lá) pude olhar Santa Cruz dos Milagres com mais atenção. A cidade é das menores que já visitei. Suas casas demonstram a mudança recente em sua estrutura: muitas casas de tijolos ainda aparentes, cerâmicas brilhantes recém colocadas, ruas de paralelepípedo (nos relataram também como algo recente, pois antes era barro). As inúmeras barracas ao redor da pequena Praça do Olho D´água sobressaltavam, principalmente por serem lembrancinhas do local. A explicação está no turismo religioso, forte na região. Segundo as gestoras, em tempos de romaria (três vezes ao ano), a cidade passa dos seus quase 4.000 para próximo de 40.000 pessoas. Isso explica a quantidade de casas com o nome de pousada ou hospedaria.

Não cheguei a conhecer a igreja ou santuário, e certamente isso agregaria muito ao meu sentimento sobre a cidade. Mas o que não mudaria é a sensação de que aquela romaria não era para os moradores a sua identidade. Parecia-me, naquele momento, uma identidade forçada pelo caráter enorme do evento. Claro que isso não deve ter sido sempre assim. Mas os relatos dos moradores sobre a festa sempre se remetia a “eles” e não a “nós”. Mas, como não tive contato com tantos moradores, pode ser apenas uma, de tantas impressões... (das políticas públicas vou deixar para meu relatório ou outro post..).

Os dias aqui foram de trabalho, acompanhando a formação de agentes e, à noite, as novelas. Comemos um peixe delicioso, que não imaginaria encontrar aqui. Tambaqui, bemmmmm assado, tão assado que algumas espinhas eram crocantes e você comia junto. O grupo muito comprometido, deu gosto de ver. O retorno de carro foi mais rápido.

Como meu voo seria apenas no outro dia, combinei para encontrar um amigo piauiense, sociólogo de formação, mente e coração. Proseamos muito, com direito aos habitus de Bourdieu e às cidades imaginárias, de Eli Veiga – que eu preciso urgente ler. Ele me acolheu na casa de sua irmã e sua família me recebeu com franqueza. A esperta "Manoela Amanda", como gosta de ser chamada a pequena Maria Fernanda, deu todo o charme da minha visita.  No dia seguinte, uma longa aula de um campo (bourdesiano) novo que estou buscando compreender: o meio rural. Campesinato, desenvolvimento sustentável, desenvolvimento territorial, agroecologia foram constantes. Ah! E não poderia deixar de falar de uma ferramenta nova, magnífica dica: Videoder, um programa que baixa vídeos da internet, para android (recomendadíssimo!). Almoçamos uma comidinha caseira maravilhosa e ele me levou para comprar cachaça no supermercado (muitoooo mais barato!). Depois me deixou no aeroporto. (Samu, realmente não sei como agradecer J).

Voltar para minha terrinha foi ligeiro, principalmente com um compromisso muito especial me esperando: reencontrar os amigos de longa data, dos tempos de colégio, onde tudo era intenso e cheio de vida.


A visita a mais uma cidade imaginária terminou. A sensação que fica ainda é (e se torna cada dia mais) de reconhecer como é complexa a nossa sociedade. E de que ainda preciso ler (e viver) muito para compreender as falsas dicotomias de oposição criadas no discurso e na prática, como rural e urbano, que ocultam o continuum que essas diferentes realidades formam e com cada vez mais interdependências nesses tempos de globalização. 

sábado, maio 04, 2013

Hoje é dia de espelho...
O que é um espelho? O que ele representa..?
Hoje descobri meu espelho mofado atrás...
Seu papel estava tomado de umidade atrás, na parte de baixo...
Meu alerta foi meu próprio corpo.
Uma alérgica sabe quando os ácaros estão correndo soltos.
Mas é engraçado... isso me fez pensar em espelhos
e o que eles representam.
Eles refletem, mas refletem o quê?
O que queremos? Ou exatamente o que não queremos?
Mandei o espelho pro conserto.
Vão limpar o mofo e cortar-lhe as partes mofadas.
Mas como fazer isso com o meu mofo?
Não, não tenho como arrancar os pulmões
(ainda que em grandes crises alérgicas tenha vontade)
Mas o espelho eu tenho.
E por mais que ele me reflita
Eu me distancio, corto-lhe o que está ruim
E ele voltará pra mim
Refletindo
O de fora.
Porque o de dentro
Só com a minha vontade.


Dia de espelho. Bom dia!
@>--'--





RETRATO
Lila Ripoll

Chego junto do espelho, olho meu rosto.
Retrato de uma moça sem beleza.
Dois grandes olhos tristes de agosto,
olhando para tudo com tristeza.

Pequeno rosto oval. Lábios fechados
Pra não revelar o meu segredo...
Os cabelos mostrando, sem cuidados,
Uns fios brancos que chegaram cedo.[...]

Meu retrato. Eis aí: Bem igualzinho.
O espelho é meu amigo. Nunca mente.
No meu quarto, ele é o móvel mais velhinho.
E sabe desde quando estou descrente!...




O ESPELHO
Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa

O espelho reflecte certo; não erra porque não pensa.
Pensar é essencialmente errar.
Errar é essencialmente estar cego e surdo.



AL ESPEJO
Jorge Luis Borges


¿Por qué persistes, incesante espejo?
¿Por qué duplicas, misterioso hermano,
el movimiento de mi mano?
¿Por qué en la sombra el súbito reflejo?
 
Eres el otro yo de que habla el griego
y acechas desde siempre. En la tersura
del agua incierta o del cristal que dura
me buscas y es inútil estar ciego.

El hecho de no verte y de saberte
te agrega horror, cosa de magia que osas
multiplicar la cifra de las cosas

que somos y que abarcan nuestra suerte.
Cuando esté muerto, copiarás a otro
y luego a otro, a otro, a otro, a otro…





II

Um homem
com um espelho (feito
um segundo esqueleto)
embutido no corpo
não pode
bruscamente voltar-se para trás
não pode
juntar nada do chão
e quando dorme
é como um acrobata
estendido sobre um relâmpago

Um homem com um espelho
enterrado no corpo
na verdade não dorme: reflete
um vôo

Enfim, esse homem
não pode falar alto demais porque os espelhos só guardam
(em seu abismo)
imagens sem barulho

III

Carregar um espelho
é mais desconforto que vantagem:
a gente se fere nele
e ele
não nos devolve mais do que a paisagem

Não nos devolve o que ele não reteve:
o vento na copas
o ladrar dos cães
a conversa na sala
barulhos
sem os quais
não haveria tardes nem manhãs

Ferreira Gullar


domingo, novembro 18, 2012

Gosto de horizonte...

Minha mãe tem uma brincadeira, que ela viu em algum filme ou novela, que ela fala de vez em quando: "cara de paisagem".

"Cara de paisagem" quer dizer aquela cara neutra, de quem não viu nada, não sabe de nada, que você ou outra pessoa faz em determinadas situações. É uma cara sem emoção, sem riso, nem choro, sem calor, nem frio, parada no tempo e no espaço, sem sobressaltos.

Eu diria que aqui, a paisagem assume um caráter estático, de fotografia sem apreciação, sem nenhuma agitação estética. Paisagem é simplesmente algo parado, sem vida, sem emoção. Trago essa ideia para realizar um contraponto com uma nova sensação que tive hoje: o gosto de horizonte.

Se buscarmos a definição de horizonte ao pé da letra, facilmente chegaremos a uma linha (quase reta) que separa o céu e o mar ou o limite que a nossa vista alcança em uma paisagem. Assim, sem sal, nem açúcar, o horizonte, semelhante a paisagem, fica ali parado; pode-se até recortar uma fotografia de revista, pegar uma régua, fazer um traço na separação do céu e do mar e dizer: Pronto! Aqui temos o horizonte. Meu horizonte, entretanto, é muito mais sensorial. Além de cor, ele tem cheiro, pele, sabor ... gosto.

Se me pedissem para explicar o horizonte, eu descreveria assim. Imagine uma pessoa numa praia, diante do céu e do mar. O vento bate forte no seu corpo, levando areia, gotículas de água e um cheiro forte de sal. Seus olhos piscam para manter-se hidratados e poder contemplar os azuis,  os verdes, os brancos, os laranjas, e as tantas outras cores ali retratadas. O som das ondas não permite que o horizonte esteja parado. Ele ou ela com uma postura muscular ativa, apesar do corpo aparentemente estático, apreendem todo o movimento daquela paisagem ali parada, por meio dos sentidos. Por fim (ou no início, ou durante todo o momento), vem a sensação de fim não encontrado (infinitude), de grandiosidade, de completa impossibilidade de tocar, controlar, delimitar... Uma relação corporal mesmo, de sentir seu tamanho, seu peso, ver-se diante daquela enorme paisagem e sentir-se pequeno, incapaz de uma ação que altere aquele quadro, ali, dinamicamente parado diante dele(a).

É desse horizonte que falo.
E esse horizonte tem gosto.
E um gosto bom...

Hoje senti esse gosto de horizonte na boca. Sim, na boca. Que a licença poética me permita essa imagem: colocar um horizonte dentro da minha boca, passando em seguida pelo esôfago, até chegar no estômago e me alimentar completamente a alma. O horizonte tinha, então, um gosto de resignação, de conforto diante de uma absoluta (e consciente) falta de controle do corpo, dos pensamentos, dos sentimentos... Aquela sensação de impotência que temos diante de uma paisagem, era exatamente essa mesma impotência só que diante de mim mesma.

Eu estava simplesmente ali, diante de mim, completamente tomada por uma emoção que não me cabia, que era grande demais pro meus 1,63cm. Ou mesmo, apenas não me cedia a possibilidade mais remota de ação, de agir. Qualquer movimento, do corpo ou da mente, seria um grão de mostarda. Restava-me uma única opção, que fora realizada: simplesmente entregar-me...a essa sensação tão difícil de explicar...de horizonte, no céu da boca...

No céu da boca?!
Aí já é demais...

Pois então, só sei que foi bem assim...
Experimentei mais um sabor, nessa vida.
E ele é bem diferente da "cara de paisagem".

Gosto de horizonte.
Hummm...
Vou tentar criar um novo sabor de sorvete com ele.


domingo, novembro 11, 2012

Retornando...

Estive tão longe do Cotidiando... quase um ano nos separam. Minha sorte é que a imaginação sempre me deixou atrelada a ele, apesar do tempo ou da aparente falta dele; do corre-corre de uma vida cheia de janelas escancaradas, com jardins enormes, que necessitam de grandes cuidados.

A vida por aqui anda de grandes lições. Os dias com seu manto azul, muitos límpidos e brilhantes, fazem cada momento reluzir. O ar entra com mais plenitude nos pulmões e enche o corpo de vigor. As músicas do rádio alardeiam a sensação de infinito tragada na boca e tendo por fumaça um belo sorriso. As ansiedades fugiram junto com as nuvens e o sol não deixa dúvida: a estrada está iluminada.

Vou assim seguindo pelo caminho com uma lição na ponta da língua: a boa cachaça não deve ser tomada de um único gole, deve ser apreciada, ternamente, deixando que o sabor se aperfeiçoe a cada saborear...

Do cotidiando de hoje só ficam as sensações.
É um bom ponto de partida.
Até!

domingo, novembro 27, 2011

Findando a semana...

Este foi um final de semana de muitas aprendizagens do cotidiano.
Das mais sensoriais e sedutoras, as mais grosseiras e decepcionantes.
No início do fim de semana, em conversa com um amigo, lembrei de um dos meus primeiros escritos para o cotidiando. Falava sobre um barulho nada usual e, sendo assim, tinha haver com os sentidos, com aqueles pequenos detalhes que precisamos nos concentrar para perceber nesta louca vida que temos.
Brincando com as palavras, acabamos conversando sobre sensações e ele conseguiu trazer algo desconhecido para mim até aquele momento: o som da barba roçando a pele. A mistura de sentidos é surpreendentemente sedutora e deixa a imaginação livre para arriscar esse som e o momento de ouvi-lo.
O final de semana seguiu seu passo e mais adiante me deparei com um dos limites mais incômodos - para mim - do nosso sistema econômico (capitalismo): as barreiras ao sonho, a vida, às emoções. Diante da sobrevivência cotidiana, medida por centavos e avaliada a mão de ferro por uma suposta boa conduta moral e ética, alguns dos nossos companheiros e companheiras têm seu horizonte ceifado. Sua inteligência, clara a muitos olhares, esbarra nas fronteiras do capital necessário a sobrevivência e de uma necessidade de autoafirmação a partir de um "orgulho honrado" por vezes transformado em brasa.  O sorriso cativante transforma-se numa faca afiada, cheia de uma malícia venenosa. Assim, viver um sonho, intenso e sagaz, deixa de ser provável, ou sequer possível.
"...A alegria vira ansiedade e perde o encanto doce de te surpreender de verdade...".
E quando já achava que não havia mais nada que o cotidiano pudesse me trazer de novo, vem o universo e julga e condena para sempre a falta de cuidado, de zelo, de experiência. O outro não pode ser tua medida de aprovação, mas tem sempre que ser a medida do respeito e desvelo necessários para seguirmos a caminhada. Para isso, é preciso "concentração e muito ciso", como já dizia o poeta.
Sigamos nos distraindo e vivendo, sempre, um grande amor!
@>--'--

sexta-feira, novembro 25, 2011

tablets, bebês e outros detalhes...

Eu sou uma pessoa que gosta de tecnologia.
Gosto e me dou bem com ela.
Minha próxima compra certamente será um tablet. Assim que eles tiverem com mais portas usbs. Ou pelo menos era até a reflexão de hoje...
Estava eu numa rotina muito pouco usual.. Às nove horas da matina em direção a Universidade Rural, onde dou aula apenas à noite. Vinha do Geraldão, seguindo pela Av. Recife, quando avistei num dos outdoors :
"Num colégio atual os alunos usam tablets".
A primeira vista era um simples anúncio, se não fosse pela minha imaginação fértil durante um sinal vermelho. De repente comecei a viajar no comercial e pensar como aquele surto de tecnologia poderia refletir na educação. Veio a minha mente, então, uma cena incomum: uma sala de jardim de infância onde em vez de  lápis as crianças tinham teclados. Fiquei imaginando aqueles olhinhos curiosos já diante de uma tela brilhosa, mirando as letras, números e símbolos surgindo a cada "tec". Será possível?
Não sei, mas já sinto até falta das tarefas de caligrafia.
Se o livro poderia acabar com a chegada dos virtuais... por que não a "escrita à mão"?
Coisas do cotidiano.. só para pensar..
Os outros detalhes eu esqueci. Fica para outras madrugadas...

quinta-feira, novembro 17, 2011

Do gosto...

Hoje havia pensado em refletir sobre o isolamento (na verdade ontem...).
O isolamento que os carros me parecem fazer da vida, ou do Real, num sentido bem zizekiano.
Deixarei este pra depois para falar do gosto... do gosto da poesia, do gosto da arte.
Recebi um e-mail de um amigo querido que trazia uma poesia atestando como de autoria de um dos
meus prediletos: Mário Quintana.
Após ler a poesia senti um ruído... algo não se encaixava. Como de praxe, cascavilhei a internet e descobri o poema real. Ele nem era como alguns por aí que destoam completamente do poema verdadeiro ou simplesmente não são... Esse tinha apenas modificações duvidosas e um final decididamente não-quitaniano.
Descoberto o equívoco, enviei para meu amigo com outros poemas gostosos... mas ficou uma questão:
não sendo uma conhecedora profunda deste poeta, como consegui identificar nesta e em outras vezes esse ruído?
Uma conversa com um iluminado respondeu minha questão rapidamente: eu sei o gosto da poesia do Quintana.
Se nos permitem uma licença sensível, farei isso: misturarei os sentidos.

Talvez a arte seja exatamente isso... a possibilidade de provocar os sentidos e nos permitir misturá-los - seja na figura de linguagem, seja fora dela...
Assim, conhecer Quintana, ou um pintor, ou um dançarino, ou um outro criador parece ser conhecer aquela marca, evidente ou não, que os faz singulares aos nossos sentidos. E em se tratando de poesia, é mais difícil ainda de decifrar qual é o sentido que nos toca...o olfato ou o paladar...a visão ou a audição... o tato... todos.. ou nenhum...

Nessas horas tardias, permito-me correr desse enigma. Ficamos acertados assim...
Eu sei o gosto, seja lá de onde ele for.